sábado, 4 de fevereiro de 2012

Quem é mais virtuoso: o pobre ou o rico?

Diógenes, filósofo da Grécia antiga era um andarilho. Certo dia, enquanto andava com uma lamparina em plena luz do sol, alguém perguntou a ele qual o motivo daquilo. "Procuro um homem honesto" respondeu ele*. 



Quando abordamos esse assunto e colocamos os parâmetros de pessoas ricas e pobres, é quase óbvia a decisão apaixonada de se optar pelos pobres. E é moralmente justificável qualquer opção pelos mais fracos. Isso é da natureza humana, e é bom que assim seja. 

O problema está em se acreditar que há uma classe trabalhadora (e por isso pobre)   estanque das outras, daí ficar ao lado dessa classe substituiria a quase cristã decisão de se optar pelos pobres. Há quem faça exercícios teóricos que tentam inclusive identificar o cristianismo com o socialismo por essa coincidência.
Imaginar uma classe trabalhadora estanque é não levar em conta  que um dia essa mesma classe que Marx chamou de burguesa foi a classe trabalhadora. É ignorar a dinâmica social contemporânea. É não notar que há pessoas que eram pobres nos anos 90 e hoje são consideradas ricas, pela ascensão econômica e social. Eu mesmo conheço várias pessoas com história parecida.

Outro problema de se assumir dogmaticamente o lado do mais fraco é imaginar que esse seja,  por si só, puro e cheio de virtude. E que o rico, pela sua natureza de rico, seja naturalmente um desalmado explorador. Nossa realidade humana e muito humana é a mesma, independente de classes sociais. Um pobre virtuoso deixará de sê-lo ao enriquecer? E um rico sacana deixará de sê-lo ao tornar-se pobre?
Há uma excelente resposta que os advogados apreciam em suas exibições nos juris que serve para ambas as perguntas: “toda pessoa é muito honesta até o momento em que deixa de ser”.

Minha profissão de fé – ou posição padrão – como diria John Searle, é no que o homem tem de melhor, os valores que desenvolvemos na sociedade ocidental de respeito aos direitos fundamentais do indivíduo,  à tolerância religiosa e política, o culto da não violência, o pensamento cosmopolita prioritariamente ao pensamento nacionalista, a fraternidade, a busca pelo conhecimento pelo seu valor em si, e nossa capacidade de admitir e corrigir nossos erros. Tudo isso combinado com uma pitada de paixão. Até porque aprendemos com Bertrand Russel que não devemos ser nem totalmente racionais nem totalmente apaixonados. Há que se ter um equilíbrio entre ambos. Eu já penso que a paixão é tempero, e como o sal que adiciona seu maravilhoso sabor aos pratos simples e aos requintados, deve sempre ser usada com parcimônia.

E cá entre nós, ricos e pobres, socialistas e conservadores, religiosos e ateus, brancos e negros, homens e mulheres, heteros e homos, somos todos cheios dos mesmos defeitos e virtudes, do mesmo orgulho bobo, dos mesmos sonhos infantis, das mesmas atitudes nobres e das mesmas porquices imorais. Alguém já disse que a ignorância nos une a todos, pois somos todos ignorantes em alguma coisa. 

* A imagem postada é da pintura de autoria de Johann Tischbein, pintor alemão do séc. XVIII 

2 comentários:

  1. Ter uma tendência quase automática a defender o mais pobre ainda me parece menos nefasto do que a tendência de ver no pobre um traço natural de falta de ignorância ou incopetência. No campo da religião há os que dizem que defendem que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico ganhar o reino dos céus, mas também há doutrinas que dizem que os ricos são os eleitos, por isso são ricos...o que eu penso é que somos todos insignificantes e quem nos ensina isso é a mortalidade, ricos e pobres, ignorantes ou letrados, preconceituosos ou caridosos, todos, sem piedade divina, teremos o mesmo destino...mas se eu estiver errada, a gente se encontra no purgatório....

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  2. Ótimo texto, grande Álvaro. Parabéns.

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